venres, 10 de abril de 2015

Q’usqu

por Alberte Pagán

“Conheces as chaminés mágicas de Tóquio? Aqui as tes. A razom do seu nome é que, dependendo de desde onde as vejas, quatro podem converter-se em tres, às vezes duas, e mesmo umha.” Assi começa, sobre um plano aéreo das quatro altas chaminés industriais, Entotsu no mieru basho (Desde onde se vem as chaminés, Heinosuke Gosho, 1953), umha história sobre a relatividade ética e social na que as personages, dependendo do bairro no que vivam, vem quatro, tres, duas ou umha chaminé. É só o deslocamento a outras zonas da cidade o que lhes permite apreciar os cámbios numha realidade que criam imutável.

As chaminés da película de Gosho som umha metáfora de projecçom centrífuga: nom importam tanto elas (o centro) como as diferentes localizaçons periféricas desde as que as vemos (o título sublinha este feito). A sua presença na pantalha nom redunda na sua própria existência, senom que nos remite aos diferentes bairros da cidade: som um espelho que reflicte a nossa olhada; nom as vemos a elas, vemo-nos a nós mesmas/os.

Tres chaminés em Entotsu no mieru basho
Quatro chaminés em Entotsu no mieru basho
Outras películas tenhem explorado esta idea dum edifício central presente nos diferentes planos e enquadrado desde variados pontos de vista. Analisarei tres, estruturalmente semelhantes, mas de técnicas e significados diversos. E nas tres o edifício central nom é centrífugo, como na película narrativa de Gosho, senom centrípeto: enquadrado sempre em posiçom central, semelha eterno e imutável por muito que a paisage e o entorno variem de plano a plano.

Sundial

Em 1992 William Raban contribuiu coa sua peça Sundial (Relógio de sol) a umha série da cadea británica Channel 4 chamada 1 Minute TV. Ao longo dum minuto e duns 70 planos de diferentes longitudes Raban retrata a torre do Canary Wharf, um edifício de oficinas de 50 andares (e 235 metros) construído no East End londrino, um bairro tradicionalmente obreiro. Este solitário arranha-ceus, rematado em pirámide, semelha um obelisco de outras culturas transplantado a um cenário alheo, um símbolo do capitalismo thatcheriano, a essas alturas já em bancarrota, no coraçom do proletariado.

Sundial
Sundial
Raban filma o edifício desde a escuridade prévia à aurora até à noite seguinte (coa sua iluminaçom decorativa), passando por diferentes estados de luminosidade. Como no gnómon dum relógio solar, o sol incide na estrutura indicando as diferentes horas do dia. Claro que —nom nos deixemos enganar polas falsidades do cinema— tamém é possível que nom seja a hora solar a que marque as diferentes luminosidades, senom simplesmente a posiçom da cámara. A distância e o ángulo da cámara variam significativamente. Num plano concreto nom vemos o edifício directamente, se nom o seu reflexo numha fachada acristalada. O cineasta tampouco se preocupa em excesso de filmar o Canary Wharf centrado no enquadre, ou polo menos na mesma posiçom relativa: a força da sua presença é tal que o olho do público se ancora imediatamente nel, independentemente do lugar que ocupe na pantalha. Imám centrípeto.

Akuma no kairozu

Uns poucos anos antes, em 1988, Takashi Ito figera um percorrido bastante mais sistemático arredor doutro arranha-ceus, neste caso de 60 andares, no seu Akuma no kairozu (O circuito do dianho). Ito emarca a sua película de 7 minutos com cadanseu plano geral dumha pinha de arranha-ceus na distância. A cámara em mao, móbil, inqueda e torpe, nom deixa suspeitar o rigor formal que se avizinha. Entre os créditos, o cineasta japonês inclue a fotografia do mapa da cidade que permite e formaliza o guiom da película: um círculo, co centro no edifício e um diámetro de entre 400 e 500 metros, aparece seccionado em 48 galhos, desde os quais Ito tirou as fotografias que formam a matéria prima da película.

Circunferência no mapa durante os créditos de Akuma no kairozu.
Bordes salientados em Akuma no kairozu.
 Umha vez montadas (umha fotografia por cada fotograma), o edifício semelha girar, sempre na sua posiçom fixa e a um ritmo constante, por moito que o ponto de vista e a paisage imediata cámbiem continuamente. O cineasta às vezes posteriza as images, noutras salienta os bordes achegando a image fotográfica ao debuxo, outras vezes negativiza os planos. Meada a película, regressam as cores naturais e com elas um cámbio na direcçom de giro do edifício, que se volve um vai e vem acorde co ritmo da música acompanhante. Nesse momento, a cámara rompe a distância prefixada para achegar-se e afastar-se do edifício. Ambos movimentos, de achegamento e rotatório, chegam a superpor-se brevemente. A segunda parte da peça retoma a estrutura inicial, invertendo-a.

No novo céio

Em 2013 Martin Pawley, desde a revista Acto de Primavera, promoveu o Projecto Nimbos como homenage ao poemário homónimo de José María Díaz Castro co galho da celebraçom do Dia das Letras Galegas no seu honor. Cada cineasta convocada/o havia de escolher um poema do livro e, prescindindo da literatura, trasladá-lo a images. Eloy Domínguez Serén contribuiu cumha peça de 6 minutos chamada No novo céio, um título ajeitado à sua condiçom de emigrante, por aquel entom, em Suécia.

Presença humana na transiçom do plano 3 ao 4 em No novo céio.
Transiçom do plano 5 ao 6 de No novo céio.
Serén rodou a sua peça no distrito de Enskede-Årsta-Vantör, no sul de Estocolmo. Como no caso de Ito em Akuma no kairozu, o cineasta serviu-se dum plano da cidade como guiom e, ao igual que Ito, traçou um círculo sobre o mapa, neste caso cum rádio de entre 900 e 1000 metros e co centro no edifício escolhido para a sua investigaçom, o multiusos Globen Arena, a construçom esférica mais grande do mundo cum diámetro de 110 metros e umha altura de 85 metros. A planta do edifício é um espelho do guiom da película, dessa circunferência traçada sobre o mapa. Ao contrário que o edifício de Ito, que vemos girar precisamente por ter umha planta rectangular que delata o cámbio de posiçom da cámara e por tanto o movimento, a esfericidade da construçom de Serén oculta a rotaçom: o Globen, como embigo centrípeto, é sempre idéntico a si mesmo, miremo-lo desde onde o miremos. (Todo lugar é susceptível de converter-se em embigo: só cumpre girar arredor del; ou ter tal presença, por altura, por monumentalidade, que todas as miradas convirjam nel.)

Como Sundial, No novo céio começa ao amanhecer e remata tras o solpor, o que converte ambas películas em senhas “sinfonias urbanas”, cumha presença humana significativamente maior que na obra de Ito comentada, mais desumanizada e mecânica. Mas nom só reflicte o passo das horas do dia, senom tamém o das diferentes estaçons do ano. Rodada entre o outono de 2013 e a primavera de 2014, a película começa coa cidade nevada para a partir de aí levar-nos por diferentes ceus, cobertos e descobertos, e por variados graus de nudez das árvores.

No novo céio consta de 7 planos de similar duraçom (uns 20 ou 30 segundos), agás um par deles, que destacam pola sua maior duraçom: o quarto, no que vemos em primeiro termo umha parada de tranvia; e o derradeiro, de minuto e meio de longitude, no que, já de noite, a cúpula se ilumina de vermelho mentres em primeiro plano vemos umha tranquila rua na que um coche estacionado arranca e marcha entanto os créditos finais completam a película. Todos os planos estám montados com parsimoniosos fundidos encadeados, mediante os quais dous espaços separados e diferenciados convivem momentaneamente mentres a esfera do Globen permanece imutável, sempre presente na mesma posiçom. Os encadeados salientam a identidade do edifício, que transcende os planos, incólume.

Serén conseguiu tal perfecçom na ensamblage dos planos graças a um padrom no que debuxou a contorna do edifício, e que despois aplicou à pantalha da cámara para acadar um enquadre perfecto. Mas nom só a distância tinha que ser parelha, senom tamém o ángulo de enquadre. No novo céio comparte esta perfecçom técnica coa peça de Ito, ainda que os ritmos e os significados de ambas peças sejam opostos. Sundial, mais desamanhada em rigor estrutural, tem a mesma qualidade humana que a peça de Serén; mas a de Serén respira umha maior serenidade devido à longitude dos planos; serenidade que bem casa co misticismo da poesia de Díaz Castro e co tom nostálgico e morrinhento do poema escolhido e interpretado por Serén: “o seu sangre vello no novo céio”, “a miña vida nova”, “tiven que afogalo en bágoas”...

Mentres Serén buscava, sem éxito, umha torre circular que servisse aos seus propósitos, acabou topando co Globen, de bruços, sem esperá-lo, como umha revelaçom. Assi o explica o cineasta quando lhe pergunto o porqué da escolha:
"Logo de dar-lhe voltas a todas as possibilidades em Estocolmo, decatei-me de súpeto do cego que estava. Tinha o Globen diante dos olhos praticamente todos os dias, já que se via durante um fragmento do trajecto da minha linha de metro. Ademais, ia topando com el a miúdo ao caminhar polas ruas da ilha de Södermalm, onde eu adoitaba ir. A mágia de todo isto é que o Globen era de feito um edifício omnipresente na minha vida, tam omnipresente que acabou por integrar-se de tal jeito na minha olhada que acabara por fazer-se invisível aos meus olhos. E de repente a sua presença antolhou-se-me ameaçadora, perturbadora. Agora que me fixava nel, atopava-o por todas partes, inevitavelmente. Era como se estivera aí a observar p’ra nós, secreta mas inquisitorialmente. Assi que decidim inverter a situaçom e ser eu quem observara p’ra el, ser eu quem o axexara a el".
E é assi como o Globen se converte, por arte de mágia e durante seis minutos, no embigo do mundo.

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